quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Não é sobre aupair. É sobre depressão!

Eu em um intervalo de
menos de 2 horas
.
Me pediram pra eu escrever sobre como estão sendo meus últimos dias no intercâmbio e, eu até vou escrever qualquer hora mas, agora, eu quero falar sobre depressão. A depressão vista por mim. A depressão que é minha companheira (a pior) desde tanto tempo, talvez desde quando eu tinha uns 13 ou 14 anos de idade.
Entre melhoras e pioras, tratamentos (infindáveis) e outros diagnósticos, é com ela que acerto minhas contas no final do dia e, tantas vezes, é ela quem também me recebe logo quando eu acordo.
Digamos que nunca é fácil, mas nesse fim de intercâmbio, ela veio com tudo. Tomou meu brilho, minha autoestima, tem me feito engordar e minhas roupas não mais me servirem; me trouxe uma dermatite horrorosa no rosto, que me faz querer passar maquiagem até pra sair do meu quarto; e, no cabelo, onde tenho uma coceira e descamação incessantes e, a cada vez que coço, parece que tá caindo uma nevasca.
A impressão que eu tenho é que morri mas continuo respirando.
Estou apática, paralisada. Meus olhos não brilham mais, o coração não mais dispara. Não tem mais emoção muito menos euforia. Nada me encanta. 
O fingimento e a falsidade se tornaram quase que uma profissão. E estou ficando cada vez melhor nisso. Posso sorrir, trabalhar, vibrar com uma amiga, postar fotos sorrindo, dizer coisas engraçadas. E ninguém nem percebe que dentro de mim tá tudo arruinado. Que eu penso na morte involuntariamente. 
Ninguém sabe o quanto me sinto um peso, inútil, sem propósito.
Ninguém sabe e nem haveria porque saber, mas essa dor destrói tudo. Não existe autoestima, não há alegria, empolgação, fé, não há nada. Só o que há é sofrimento e fingimento.
E o dia em que eu não mais puder disfarçar o pouco que eu consigo agora, então provavelmente ficarei um pouco mais sozinha do que já tô. Vai sobrar só os mais importantes, minha mãe e meu pai. Talvez nem minha irmã. Que dirá amigos.
Já não tenho muitos. E os poucos hão de ir. Porque ninguém gosta de gente triste. Nem eu aguento ou gosto de estar comigo, por que alguém gostaria?
Depressão faz você sentir vergonha de você. Do seu corpo. Do que você diz. Das suas reações. Das suas preferências.
Não espere me ver chorando pela rua. E quando me perguntar como estou, pode ter certeza, eu vou responder "tá tudo bem", e eu vou sorrir.
E se um dia eu parar de sair na rua, sorrir enquanto te cumprimento, postar fotos felizes no Instagram, pode ter certeza que foi porque desci um pouco mais no poço (e espero não chegar lá de novo). Porque enquanto eu permanecer aqui onde estou, vou continuar sendo uma boa atriz. A farsa toda acaba até ajudando a ter uma imagem a "zelar".
Pensa que eu não sei quanta gente não ficou na minha vida porque eu estou assim?
Quantos caras correram quando perceberam minha carência, minha dor, meu medo?
Quantos amigos não perguntam mais como eu tô porque já sabem a resposta?
Por isso sigo amando meu cachorro mais que tudo. Ele lambe as minhas lágrimas e fica perto de mim, não importa o tamanho do machucado. Haha :)
Não, eu não vou me matar. Não se preocupa. Acredito que a dor de um suicida, no plano espiritual, é inimaginavelmente maior que essa de agora. E eu não faria minha família sofrer mais do que já sofrem me vendo assim. Das poucas certezas que eu tenho, uma é de que eles não merecem isso.
Mas, tem gente aí se matando. Eu entendo tanto eles! Jovens, adolescentes, adultos, crianças, idosos, essa doença maldita não escolhe idade, classe, lugar. Ela só se instala e vai te matando devagarinho.
Se eu puder dar uma dica: Olhe a sua volta! Pais, olhem seus filhos! Eles podem estar só fingindo estar bem. Não julgue, não critique, não diga que a depressão é proveniente do ócio, da falta de Deus ou do diabo a quatro. Só estenda a sua mão. Leve no médico, no psicólogo, num jardim para tomar sol e ver a cor das coisas. Ajude com pequenas atividades diárias. Um banho, pentear o cabelo, comida quentinha, uma conversa ou até mesmo o silêncio.
Há dias que são melhores. Mas até nesses dias é muito claro como ainda sinto a doença em mim. É como se ela dissesse "ok, querida, você tá verdadeiramente se divertindo, mas não esquece que eu moro aqui dentro, viu?! Amanhã a gente se vê!".
Então, esse texto não é pra ninguém ter dó de mim. Pra ninguém me mandar mensagem (aliás, por favor, não faz isso!). É só pra me expressar. Porque nas últimas duas semanas vi dois jovens de 16 anos, bem próximos de pessoas que eu gosto, se suicidando. Em desespero! Deixando para trás família, amigos, uma vida inteira pela frente (vida essa que eles não queriam viver tão tristes) e, certamente, nesse momento, devem estar sofrendo mais do que já estavam.
Eu só quis dar voz ao que ninguém fala, ninguém mostra. As pessoas com qualquer tipo de doença podem falar/escrever sobre seus sintomas, suas reações, tratamentos, e tá tudo bem. Mas falar sobre doenças da alma ainda assusta tanto!
Antes que seja tarde, olhe além das aparências, exercite sua empatia, não acredite só nos sorrisos que as redes sociais te mostram. Seja presente. Seja um presente na vida de quem sofre. Ninguém sofre porque quer. As pessoas sofrem porque não conseguem parar. E, aí, pra deixar de incomodar ou deixar de fingir, elas tiram suas próprias vidas.
Que em breve eu me sinta, mais uma vez, renascendo.
E, a propósito, se alguém te disser que pessoas com doenças emocionais não podem ser aupairs de sucesso, eu preciso discordar. 
Não é fácil pra ninguém. Pra quem tem esse tipo de problema, mais difícil. Mas longe de ser impossível!
Eu sou a prova - ano de aupair sendo concluído em 17 dias e eu mal posso esperar pra voltar pra casa. E, sim, ser cuidada. Não importa quantos anos você tem, às vezes, só precisa de cuidado.

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Dos amores que descobri...

Na noite passada, enquanto ele adormecia nos meus braços, rolando de um lado pro outro, brincando com os meus dedos e me fazendo massagem com seus dedos pequeninos, eu comecei uma viagem de volta ao dia em que cheguei na Holanda.
Eu comecei a pensar em quantos amores eu descobri enquanto estive aqui.
Ele, que dormiu e, eu, que normalmente sairia correndo pra aproveitar o tempo livre, fiquei ali abraçada a ele, sentindo o cheirinho dele, naquela cama aconchegante e quentinha, ouvindo sua respiração de quem descansava seguro porque eu estava ali e comecei a pensar na minha vida ao mesmo tempo em que olhava as estrelas fluorescentes coladas no teto.
Eu sempre tive tendência de dizer que não gosto de crianças, o que pode soar bastante agressivo e contraditório pra quem foi professora por cinco anos e se propôs a fazer um intercâmbio onde a principal função é cuidar de crianças. Mas, quando eu decidi fazer isso, decidi fazer como um trabalho mesmo e pensei: "posso suportar um trabalho que não gosto por um ano!".
Só que esse menino! Ah, esse menino foi me ganhando! Mas foi lento. Eu fui bastante resistente! E eu achei que poderia sair ilesa. Eu achava que era mentira quando ouvia as outras aupairs dizendo que sentiam saudades de seus hosts kids. Achava que era história!
Os primeiros meses foram difíceis, embora eu fizesse de conta que estava tudo muito bem. Ele era mimado, birrento, briguento. Quantas e quantas manhãs e noites, antes de dormir, não assisti ele e a mãe brigando de igual pra igual.
E não me conformava com a falta de limites!
Não aceitava ele mover o mundo com seus quereres, com seus xiliques. Não entendia porque explicar todos os nãos a uma criança de seis anos e estar sujeita a sua aceitação ou não.
E, se não, vinha muita discussão! E, acreditem, italianos discutindo (leia-se "brigando") é assustador.
Bem, nem a mesma língua eu e ele falávamos!
Eu com meu inglês mais ou menos e, ele, com seu italiano e holandês.
Mas a gente foi aprendendo a se entender. Por olhar, por segredinhos trocados, por brincadeiras, por toques. Eu fui ensinando a ele todos os valores que tenho em mim. De respeito, merecimento, gratidão, empatia e acho que ele foi pegando.
Não sou Deus e obviamente não sou eu a responsável por toda a melhora dele.
Acho que é um conjunto de fatores, desde amadurecimento, tratamento psicológico, a mãe que teve um avanço emocional muito positivo (ela estava bastante abalada com o falecimento recente do marido. E, óbvio, meu kid abalado com o falecimento do pai. Natural os comportamentos mudarem!), até, humildemente falando, minha breve temporada na vidinha dele.
O fato é que me dá um orgulho imenso ver o garoto que ele é hoje! E ver ele agindo ou fazendo pequenas coisas que eu ensinei, que aprendemos juntos.
Hoje ele fala inglês. Igual o meu. Bem mais ou menos, mas fala e entende e se comunica. Não faz mais escândalo pra tomar banho todos os dias. Come verduras variadas. Dorme sozinho na sua cama. Sabe que pra fazer/ter coisas que gosta, precisa também fazer coisas não tão legais.
Muitas vezes a gente ri juntos. Jantamos no tapete quando a mãe dele tá viajando. Fazemos cosquinha um no outro. Brincamos de estalar os dedos. Futebol. Bolinha de gude. Cartas. Caretas.
Brigamos quando ele quer ganhar a todo custo nos jogos, quando ele desimbesta a falar e argumentar coisas já decididas ou quando não aceita um "não" (a propósito, sempre tive a mesma dificuldade!).
Algumas vezes já choramos juntos também, porque ele sente saudades do pai. Nesses dias, a gente só fica quietinho e ele sente o que quiser.
Ele cuida de mim mais do que eu dele! 
Quando tô triste ele quer me animar. Quando a abelha mordeu meu braço e fiquei muito ruim, ele queria me levar ao médico e disse que sabia onde era, pra eu não me preocupar.
Ele não entende porque eu tenho que ir embora. Ele diz que eu posso ficar e se eu quiser também posso trazer o Neno (meu cachorro - o qual me queixo de muitas saudades). 
Acho que ele merece muito mais do que eu normalmente ofereço mas, no momento, esse é o meu melhor. E sabe do que? Ele acha que tá ótimo. Ele às vezes fica chateado com as minhas rabugentices mas não dura 1 minuto e já tá brincando de novo, rindo e me fazendo rir.
Parece que abstrai eu ser chata com ele!
Coisa mais linda quando chego na escola pra buscar e ele me recebe com abraço e beijo. Não tem vergonha e parece não ser sentir menos por ser eu a estar ali e não a mãe ou o pai dele. Ou então quando vou levar ele na escola sem antes tomar meu café da manhã e ele me manda voltar logo pra casa pra comer. Fim de semana quando ele se preocupa em não fazer barulho porque estou dormindo. Ou quando elogia minha comida.
E, sabe, ele não se preocupa se estou magra, gorda, bonita, arrumada ou cheia de pereba. Pelo contrário. Ele quer me levar ao médico pra ver minha dermatite na cabeça e sempre dá uma olhada pra ver se tá melhor. Quando me vê maquiada, pergunta porque eu tô daquele jeito e, quando eu respondo que é pra ficar mais bonita, ele sempre faz cara de "tava mais bonita do outro jeito". Ele gosta de apertar minha barriga, brincar com as minhas partes fofinhas e, sabe… pra ele tanto faz, porque ele parece enxergar o que trago dentro de mim, na minha essência.
O nome disso é amor.