quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Dos amores que descobri...

Na noite passada, enquanto ele adormecia nos meus braços, rolando de um lado pro outro, brincando com os meus dedos e me fazendo massagem com seus dedos pequeninos, eu comecei uma viagem de volta ao dia em que cheguei na Holanda.
Eu comecei a pensar em quantos amores eu descobri enquanto estive aqui.
Ele, que dormiu e, eu, que normalmente sairia correndo pra aproveitar o tempo livre, fiquei ali abraçada a ele, sentindo o cheirinho dele, naquela cama aconchegante e quentinha, ouvindo sua respiração de quem descansava seguro porque eu estava ali e comecei a pensar na minha vida ao mesmo tempo em que olhava as estrelas fluorescentes coladas no teto.
Eu sempre tive tendência de dizer que não gosto de crianças, o que pode soar bastante agressivo e contraditório pra quem foi professora por cinco anos e se propôs a fazer um intercâmbio onde a principal função é cuidar de crianças. Mas, quando eu decidi fazer isso, decidi fazer como um trabalho mesmo e pensei: "posso suportar um trabalho que não gosto por um ano!".
Só que esse menino! Ah, esse menino foi me ganhando! Mas foi lento. Eu fui bastante resistente! E eu achei que poderia sair ilesa. Eu achava que era mentira quando ouvia as outras aupairs dizendo que sentiam saudades de seus hosts kids. Achava que era história!
Os primeiros meses foram difíceis, embora eu fizesse de conta que estava tudo muito bem. Ele era mimado, birrento, briguento. Quantas e quantas manhãs e noites, antes de dormir, não assisti ele e a mãe brigando de igual pra igual.
E não me conformava com a falta de limites!
Não aceitava ele mover o mundo com seus quereres, com seus xiliques. Não entendia porque explicar todos os nãos a uma criança de seis anos e estar sujeita a sua aceitação ou não.
E, se não, vinha muita discussão! E, acreditem, italianos discutindo (leia-se "brigando") é assustador.
Bem, nem a mesma língua eu e ele falávamos!
Eu com meu inglês mais ou menos e, ele, com seu italiano e holandês.
Mas a gente foi aprendendo a se entender. Por olhar, por segredinhos trocados, por brincadeiras, por toques. Eu fui ensinando a ele todos os valores que tenho em mim. De respeito, merecimento, gratidão, empatia e acho que ele foi pegando.
Não sou Deus e obviamente não sou eu a responsável por toda a melhora dele.
Acho que é um conjunto de fatores, desde amadurecimento, tratamento psicológico, a mãe que teve um avanço emocional muito positivo (ela estava bastante abalada com o falecimento recente do marido. E, óbvio, meu kid abalado com o falecimento do pai. Natural os comportamentos mudarem!), até, humildemente falando, minha breve temporada na vidinha dele.
O fato é que me dá um orgulho imenso ver o garoto que ele é hoje! E ver ele agindo ou fazendo pequenas coisas que eu ensinei, que aprendemos juntos.
Hoje ele fala inglês. Igual o meu. Bem mais ou menos, mas fala e entende e se comunica. Não faz mais escândalo pra tomar banho todos os dias. Come verduras variadas. Dorme sozinho na sua cama. Sabe que pra fazer/ter coisas que gosta, precisa também fazer coisas não tão legais.
Muitas vezes a gente ri juntos. Jantamos no tapete quando a mãe dele tá viajando. Fazemos cosquinha um no outro. Brincamos de estalar os dedos. Futebol. Bolinha de gude. Cartas. Caretas.
Brigamos quando ele quer ganhar a todo custo nos jogos, quando ele desimbesta a falar e argumentar coisas já decididas ou quando não aceita um "não" (a propósito, sempre tive a mesma dificuldade!).
Algumas vezes já choramos juntos também, porque ele sente saudades do pai. Nesses dias, a gente só fica quietinho e ele sente o que quiser.
Ele cuida de mim mais do que eu dele! 
Quando tô triste ele quer me animar. Quando a abelha mordeu meu braço e fiquei muito ruim, ele queria me levar ao médico e disse que sabia onde era, pra eu não me preocupar.
Ele não entende porque eu tenho que ir embora. Ele diz que eu posso ficar e se eu quiser também posso trazer o Neno (meu cachorro - o qual me queixo de muitas saudades). 
Acho que ele merece muito mais do que eu normalmente ofereço mas, no momento, esse é o meu melhor. E sabe do que? Ele acha que tá ótimo. Ele às vezes fica chateado com as minhas rabugentices mas não dura 1 minuto e já tá brincando de novo, rindo e me fazendo rir.
Parece que abstrai eu ser chata com ele!
Coisa mais linda quando chego na escola pra buscar e ele me recebe com abraço e beijo. Não tem vergonha e parece não ser sentir menos por ser eu a estar ali e não a mãe ou o pai dele. Ou então quando vou levar ele na escola sem antes tomar meu café da manhã e ele me manda voltar logo pra casa pra comer. Fim de semana quando ele se preocupa em não fazer barulho porque estou dormindo. Ou quando elogia minha comida.
E, sabe, ele não se preocupa se estou magra, gorda, bonita, arrumada ou cheia de pereba. Pelo contrário. Ele quer me levar ao médico pra ver minha dermatite na cabeça e sempre dá uma olhada pra ver se tá melhor. Quando me vê maquiada, pergunta porque eu tô daquele jeito e, quando eu respondo que é pra ficar mais bonita, ele sempre faz cara de "tava mais bonita do outro jeito". Ele gosta de apertar minha barriga, brincar com as minhas partes fofinhas e, sabe… pra ele tanto faz, porque ele parece enxergar o que trago dentro de mim, na minha essência.
O nome disso é amor.




2 comentários: